Docentes da NOVA FCSH e do ITQB NOVA ganham bolsa ERC em jornalismo de ciência

António Granado (docente da NOVA FCSH e investigador do ICNOVA) e Ana Sanchez (docente do ITQB NOVA) acabam de receber uma bolsa do European Research Council, no valor de 1,5 milhões de euros, na área do jornalismo de ciência. 

O valor foi atribuído a um único consórcio europeu e tem como objetivo promover residências de jornalistas de ciência em instituições de investigação por períodos de 3 a 5 meses. Denominado “FRONTIERS“, o projeto nasce de uma colaboração entre a Universidade NOVA de Lisboa, a Universidade Pompeu Fabra (Espanha), o Centro para a Ética em Ciência e Jornalismo (Itália) e a empresa Enspire Science (Israel), que coordena o projeto. 

António Granado e Ana Sanchez 2

O projeto decorrerá entre 2023 e 2027, e tem como objetivo promover a independência jornalística e a cobertura da investigação de ponta em todas as áreas do conhecimento, para além de um programa com um cunho pedagógico e de partilha de conhecimento entre jornalistas. 

A propósito da atribuição da bolsa, a NOVA FCSH esteve à conversa com os investigadores que explicaram o projeto, como é que este se vai desenvolver e qual o impacto que esperam que tenha no futuro. 

Como surgiu o projeto e como é que se foi desenvolvendo até à candidatura da bolsa do European Research Council?

AG: A call da ERC era a propósito de um projeto que tinha a ver com o jornalismo de ciência. A ideia era desenvolver um programa de residências para jornalistas de ciência e instituições europeias. Quando essa call apareceu, achámos que teríamos hipótese de concorrer. Teríamos que desenvolver um consórcio e foi o que começámos por fazer naquela altura.

Como é que surge a parceria da NOVA FCSH e do ITQB NOVA com as restantes instituições do consórcio?

AS: A parceria entre o ITQB e a FCSH já vem de há muitos anos. Nós começámos a colaborar em 2010 na preparação do Mestrado em Comunicação de Ciência, que teve a sua primeira edição em 2011. Desde aí que temos continuado, não só, a coordenar o Mestrado, como temos tido outros projetos conjuntos, entre eles o “90 Segundos de Ciência”. Portanto, esta parceria já existia. Como o António disse, quando surgiu esta call, achámos que tinha tudo a ver com o nosso Mestrado e com aquilo que acreditamos sobre comunicação de ciência e jornalismo de ciência. Depois começámos à procura de parceiros e o primeiro sítio onde fomos procurar foi dentro da rede EUTOPIA – é uma rede em que a Universidade NOVA se insere e à qual pertencem outras universidades europeias. A partir daí, identificámos a Universidade Pompeu Fabra, que é também muito reputada na área da comunicação de ciência e formámos o primeiro contacto. Posteriormente, estávamos ali a começar a pensar nesta ideia, quando o António se lembrou de um jornalista que tinha conhecido em…

AG: Na Alemanha, no Max Planck. Numa residência também, o que tem graça…

AS: Exato, em residências que tinha feito.

AG: O Max Planck desenvolveu estas residências durante muitos anos. Eu tive a hipótese de, nessa residência, conhecer um jornalista italiano, que agora faz parte da Federação Europeia de Jornalistas de Ciência. Foi com ele – Fabio Turone – que fizemos o contacto para averiguar se era possível juntarmo-nos. Quando fizemos esse contacto, ele disse que já estava com uma proposta iniciada e perguntou se nos queríamos juntar.

AS: Eles estavam com Israel, com uma empresa de consultoria na área da ciência, na área do financiamento de ciência. Portanto, estavam já a começar a trabalhar a proposta, nós estávamos deste lado também a começar a pensar e juntámos os 4 parceiros. Foi assim que nasceu a ideia!

O projeto pretende promover a independência jornalística e a cobertura da investigação de ponta, através da implementação de residências jornalísticas de ciência em instituições de investigação. Poderiam desenvolver esta ideia?

AG: A ideia do projeto foi sempre a de que o jornalismo tem que ser independente. O jornalismo para ter algum valor tem que ser independente e, portanto, quando começámos a desenvolver o projeto pensámos sempre que isto não poderia surgir das instituições de investigação, teria de surgir da cabeça dos jornalistas. Ou seja, teriam de ser os jornalistas a fazer um projeto de reportagem, podcasts, um capítulo de um livro… O que eles muito bem entenderem. Mas teriam que ser eles a propô-lo e, inclusivamente, a sugerir onde é que gostariam de desenvolver esse seu projeto.

AS: Hoje em dia, o que nós assistimos é a jornalismo de ciência que, na maioria das vezes, resulta de comunicados de imprensa, na sequência da publicação de um artigo, da atribuição de um financiamento… O que acaba por transformar a imagem pública da ciência numa série de momentos “Eureka!” de descobertas, que tem muito pouco a ver com aquilo que a ciência é de facto. Portanto, esta ideia de ter o jornalista a fazer residências nas instituições científicas, a acompanhar o trabalho dos investigadores nos seus locais de trabalho, a poderem, além dos projetos que propõem, encontrar outras histórias, é para nós uma maneira muito interessante de tentar comunicar a ciência a uma audiência mais vasta.

Excerto da entrevista a António Granado e Ana Sanchez

Para além da questão das residências e da mediação entre os jornalistas e instituições, o projeto pretende também desenvolver um programa de formação de cobertura de ciência. Como é que se estrutura esta modalidade pedagógica do projeto?

AS: Há muitos aspetos do projeto que nós ainda estamos a delinear, porque agora só demos o primeiro passo: conseguir o financiamento. Os primeiros meses vão ser precisamente para delinear como é que vai funcionar este programa de residências e como é que vai funcionar este programa de formação. De qualquer forma, o que já está pensado é que os programas de formação envolverão os jornalistas que estão a fazer residências e cientistas que estão também envolvidos nas residências, ou que estão a fazer a chamada investigação de ponta, investigação de fronteira, como aquela que o Conselho de Investigação financia. A ideia aqui, mais do que ensinar aos jornalistas como fazer cobertura de ciência, porque isso provavelmente eles saberão, é dar oportunidade de discutir estes vários aspetos da especificidade do jornalismo de ciência, da comunicação de ciência, e promover o diálogo entre os cientistas e os jornalistas.

AG: A ideia é também que nós possamos, durante estas ações de formação, aprender uns com os outros. Ou seja, a ideia dessas ações de formação não é os professores ou as pessoas que estão ligadas às universidades ou às instituições de investigação da área darem palestras e falarem sobre o seu trabalho; é ouvirmo-nos uns aos outros e, portanto, esse programa vai ter que ser desenvolvido também nos próximos meses.

AS: As próprias residências e o trabalho deste consórcio têm também como objetivo delinear ou estruturar quais são os aspetos que são essenciais para que estas residências ocorram, não só durante o tempo de vigência do projeto, mas também para o futuro. Portanto, deixar uma espécie de guia de boas práticas, uma série de indicações, questões éticas e deontológicas, questões do lado dos cientistas e do lado dos jornalistas, do lado dos comunicadores de ciência e das instituições. Ou seja, deixar um conjunto de ideias para que o projeto não acabe no momento em que o nosso financiamento acabar e se possa prolongar para o futuro, sendo promovido de forma independente em diferentes instituições ou, eventualmente, encontrarmos alguma forma de o manter.

Entrevistas António Granado e Ana Sanchez

Quais esperam que possam vir a ser os resultados do projeto?

AG: Um dos objetivos do projeto é que se possa manter esta ideia das residências de jornalistas em instituições de investigação no futuro. Portanto, há uma parte do projeto que é dedicada a estudar como é que isso poderá vir a ser feito no futuro. Ou seja, que estas bolsas que agora vão ser dadas aos jornalistas para passarem entre três a cinco meses em instituições de investigação não acabem no momento em que o projeto acaba. A ideia é que possam vir a ser dadas no futuro e de uma forma regular aos jornalistas.

AS: Depois há um objetivo mais imediato, que é conseguir que entre trinta a quarenta jornalistas estejam em instituições cientificas, que encontrem boas histórias de ciência para contar e que deem a conhecer essas histórias a uma audiência mais vasta. Portanto, que também haja uma valorização e uma perceção maior, não só da importância desta ciência, que às vezes não tem uma aplicação imediata, mas que é essencial, e também da importância do jornalismo independente no jornalismo de ciência.

Sendo a NOVA uma das universidades pioneiras na construção de um ciclo de estudos dedicado à comunicação de ciência, entre a NOVA FCSH e o ITQB NOVA, qual é que consideram ser o papel desta área na transmissão de conhecimento para a sociedade e como é que ela se tem desenvolvido na Europa e, em particular, aqui em Portugal?

AS: A área da comunicação de ciência tem-se desenvolvido imenso nos últimos anos. Nós conseguimos ver isso de uma forma muito evidente, não só pelo interesse continuado no Mestrado e pela quantidade de estudantes que fomos formando, pela quantidade e diversidade de papéis que esses Mestres em Comunicação de Ciência estão a desempenhar em diferentes instituições em Portugal, mas também pelo crescimento da Associação de Comunicadores de Ciência. Portanto, isso é muito evidente pelos trabalhos que são apresentados. É claro que há muita gente a trabalhar nesta área e o mesmo tem acontecido na Europa. A evolução da comunicação de ciência também tem variado com o contexto que vamos atravessando e agora, nos últimos anos, com a pandemia, tornou-se muito evidente a importância e o papel que a comunicação de ciência pode ter em ajudar quem não sabe sobre ciência a perceber melhor o que se passa neste campo. Mas também, e este aspeto é importante, que as pessoas que fazem ciência percebam melhor quais são as preocupações do resto da sociedade. Portanto, não o fechar da ciência em si própria, mas o abrir da ciência à sociedade nos dois sentidos.

AG: Esta parceria começou em 2010 e nós lançámos o Mestrado em 2011. Desde então, tem tido bastantes estudantes todos os anos. No ano passado, abrimos uma variante em comunicação de ciência no Doutoramento em Ciências da Comunicação, para onde foram alguns alunos que realizaram o Mestrado ao longo destes anos. A ideia é reforçar a área. É preciso também fazer investigação sobre a comunicação de ciência em Portugal. É uma área que ainda tem muito para dar.

Ana Sanchez e António Granado falam sobre o desenvolvimento da área da Comunicação de Ciência em Portugal

Como se vai processar a comunicação do projeto?

AS: A comunicação do projeto é precisamente a tarefa pela qual a equipa da NOVA vai estar responsável. Vai-nos caber dar a conhecer o que vão ser os desenvolvimentos e à medida que forem aparecendo as diferentes peças destas propostas, dá-las a conhecer aos jornalistas e às instituições que estejam interessadas em receber jornalistas. Esperamos que ainda no final deste ano estaremos a anunciar a primeira leva de concursos e, portanto, pedimos aos jornalistas de ciência que estejam atentos e que vão pensando em ideias e instituições onde gostassem de fazer as  suas residências.

AG: Estas residências serão obviamente full-time. O jornalista vai ter que pedir licença sem vencimento na sua instituição para se poder dedicar full-time a estas residências, aliás como acontece com as que já existem em instituições de investigação, tanto nos Estado Unidos como na Europa. A ideia é que os jornalistas se dediquem durante esses 3 a 5 meses, saiam desse ambiente de redação, que, como a Ana já disse, lhes dá muitas vezes para escrever apenas Breaking News, notícias só sobre descoberta cientifica que pressupõem que eles sigam a descoberta cientifica e não vão até ao campo ver o que se está a passar efetivamente com a ciência.

Ganharam um projeto que era único em toda a Europa. Normalmente, as ERC são centenas. Qual era a expectativa? Como é que foi receber esta notícia?

AS: Receber a notícia foi ótimo, claro! Aqui, se calhar, as nossas opiniões vão diferir um bocadinho, porque o António estava sempre convencido que sim, que era possível. Eu não sei. Devem haver propostas ótimas em toda a Europa, se calhar já havia ideias um bocadinho mais trabalhadas. Foi uma surpresa ótima e o facto de saber que é o único projeto em toda a Europa deixa-nos com uma responsabilidade enorme, porque agora todos os olhos vão estar postos em nós e o que é que resulta desta ideia que, no papel, nos parece magnífica, mas que agora é preciso por de pé.

AG: Eu acho que isto foi muitíssimo bom. Eu tinha esperança, porque eu acho que o projeto estava bem delineado. Há um aspeto que me pareceu essencial na nossa proposta e que nós não vimos as outras, mas sempre tivemos a ideia de que a nossa partia do único sítio de onde é possível partir: a independência jornalística. Não faz sentido fazer um projeto exatamente ao contrário, partindo das instituições de investigação da Europa; partir deste lado não faz muito sentido, porque algo que os jornalistas nunca gostaram de fazer, e nem podem fazer se olharmos para o seu próprio estatuto, é relações públicas ou marketing das instituições e, portanto, se as propostas têm partido das instituições, elas não garantiriam independência jornalísticas e mais, estaríamos a condicionar as ideias. Eu acho que a proposta, tal como nós a apresentámos, permitirá todas as ideias possíveis, ou seja, quem quiser fazer um trabalho sobre qualquer área da ciência de ponta na Europa, pode fazer essa proposta. Como é que essa proposta tem de ser delineada para concorrer é outra coisa que vamos ter de pensar. Já sabemos que a proposta será analisada pelo consórcio e por um comité de peritos que nós nomeámos. Fizemos convites a possíveis participantes desse painel de peritos e dizemos nas propostas que alguns deles tinham aceitado já esse convite se viéssemos a ter o financiamento. Portanto, eu acho que termos partido da independência jornalística foi a chave do nosso sucesso.

Durante o período em que o FRONTIERS (2023-2027) funcionará, estão previstas três fases de candidatura abertas a jornalistas de toda a Europa. Serão financiadas entre 30 a 40 residências durante o programa.