Historiadora da NOVA FCSH recebe “Consolidator Grant” do ERC

Maria de Lurdes Rosa, docente do Departamento de História da FCSH e Investigadora integrada do Instituto de Estudos Medievais, recebeu uma bolsa “Consolidator” do ERC (European Research Council), no valor de 1,6 milhões de euros, pelo projecto “Entailing Perpetuity: Family, Power, Identity. The Social Agency of a Corporate Body (Southern Europe, 14th-17th Centuries)”. É a primeira “Consolidator Grant” atribuída em Portugal na área da História.

O projecto “VINCULUM” surge na continuidade de um interesse prolongado da docente e investigadora sobre o tema da vinculação na sociedade ibérica pré-moderna. Tendo começado a estudar os morgados em Portugal na licenciatura, tomou-os como objeto da sua dissertação de mestrado (publicada em 1995) e, sob um novo prisma, nomeadamente a importância da fundação das capelas fúnebres na Lisboa tardo medieval, na tese de doutoramento, apresentada à EHESS-Paris e à UNL (publicada em 2012). A investigação tomou novo rumo e ganhou alento acrescido com o programa de investigação e defesa patrimonial sobre arquivos de família, que Maria de Lurdes Rosa desenvolveu, desde 2008, no âmbito do IEM, com a colaboração pontual das outras unidades de investigação da área da História (CHAM e IHC).

O programa conta já com um projeto de investigação FCT, participação em projetos e programas internacionais, seis teses de doutoramento terminadas ou a terminar, e um vasto conjunto de publicações. Maria de Lurdes Rosa destaca particularmente dois aspetos, neste processo: por um lado a ligação à sociedade civil, concretizada na participação de proprietários de arquivos privados que abriram os seus arquivos à Investigação universitária; por outro, o envolvimento direto na equipa de investigação, de jovens investigadores, desde a licenciatura ao doutoramento.

Segundo a investigadora, a decisão de propor um projeto ao ERC sobre a temática nasceu da “consciência tanto da coesão deste percurso/ programa de investigação, como da centralidade científica do fenómeno vincular, para a compreensão das sociedades pré-modernas do Sul da Europa”. A investigação realizada nas últimas décadas em Portugal e Espanha “permitia um passo em frente, que exigia porém vastos recursos e tempo de investigação”. Apostar no concurso “Consolidator” do ERC foi a decisão, “com tanto mais interesse quanto a investigação em História nas universidade portuguesas se tem mantido um pouco à margem destas bolsas, que noutros países europeus têm possibilitado enormes avanços na investigação”.

“Os vínculos foram uma forma de manter a propriedade no seio de configurações familiares específicas, através da criação de uma entidade corporativa, administrada por sucessores selecionados em função de determinadas qualidades, num horizonte de perpetuidade”, explica Maria de Lurdes Rosa.  “Essa entidade, que compreendia os vivos, os mortos, e os futuros membros da família, detinha um enorme poder. Ancorada na figura culturalmente construída, e investida de profundo significado, do “fundador” – cuja vontade era aceite como lei, no sentido pleno da palavra – o corpo vincular regulava as relações humanas dentro e fora da família; estabelecia relações específicas com a propriedade e com a economia; negociava a tradição e controlava a mudança. Numa larga medida, o corpo vincular era o agente social, governando e regulando as ações dos seus membros humanos, as suas circunstâncias e estratégias”.

Como reforça a investigadora, o impacto social do fenómeno foi muito vasto. Entre os séculos XIV e XVII, terão sido fundados cerca de 7000 morgados e capelas no território do que é hoje Portugal continental, bem como nos espaços atlânticos que o reino colonizou durante este período e crescimento e estabilização da instituição vincular. Tornaram-se indispensáveis para os nobres quanto à manutenção do estatuto; e para outros grupos, foram o mecanismo típico de ascensão social. No territórios  das sociedades insulares da Madeira e dos Açores, a vinculação organizou a sociedade e a propriedade num período de poucas décadas, conferindo-lhes características únicas. Tanto em Cabo Verde como nos territórios colonizados no Brasil até finais de Seiscentos, a vinculação parece ter-se imposto sobretudo na forma de capelas, ganhando progressivamente importância, de forma lenta mais segura. Os estudos disponíveis sugerem panoramas semelhantes nos restantes reinos ibéricos, em especial Castela. Por fim, de modo semelhante ao morgadio peninsular, a vinculação tornar-se-ia nestes séculos uma característica comum das diferentes sociedades do sul da Europa, e um modelo central da reprodução das elites. Como tal, influenciou profundamente múltiplos aspetos daquelas sociedades.

Assim, o  projeto VINCULUM visa explicar como a vinculação se tornou possível, como funcionou e por que durou tantos séculos. Partindo do caso português e ibérico, e da extensa pesquisa já realizada pela IR e pela sua equipa, o projeto propõe-se estudar a ‘vinculação’ como uma prática variada mas fundamental, incrustada em princípios legais, discurso aristocrático e uma configuração organizacional  baseada no parentesco,  levando a cabo uma análise abrangente que explore essa natureza holística. A abordagem seguida na investigação assenta numa ultrapassagem clara de  fronteiras tradicionais, consagrando como época do estudo os séculos XIV a XVII e os espaços continental e  atlântico;  e incluirá tanto perspetivas comparativas, como o estudo de futuras reconfigurações sociais do fenómeno vincular.

O projeto compreenderá extensos levantamentos documentais, tanto em arquivos públicos como em arquivos familiares privados, que foram abertos à investigação pelo programa ARQFAM, liderado por Maria de Lurdes Rosa desde 2008. A recolha de dados permitirá a construção de uma grande base de dados, reunindo todos documentos relativos a cada um vínculo, seguindo um modelo teórico que procura reconstruir os sistemas de informação do passado, testando assim uma nova metodologia desenvolvida na investigação precedente à proposta. A base de dados reunirá cerca de 7000  vínculos e permitirá investigações sistemáticas organizadas em torno das novas definições conceituais propostas pelo projeto. A pesquisa será fortemente interdisciplinar, agregando a Antropologia histórica e a Ciência arquivística, com o objectivo de construir um modelo teórico adequado à compreensão do fenómeno legal e social crucial que foi a vinculação.

Em termos de articulação interna, VINCULUM  apresenta quatro fases, a efetivar por meio de seis projetos: 1) interrogação, análise e descrição da estrutura das fontes, compreendendo um extenso levantamento documental, para constituição a base de dados das fundações vinculares e seus arquivos (projeto 1); 2) análises temáticas da agência social dos vínculos (projetos 2, 3 e 4, dedicados respetivamente, “Parentesco”, “Poder”, “Identidade”; 3) análise aprofundada e comparativa das sociedades de vinculação do espaço atlântico (projeto 5); 4) síntese interpretativa dos resultados globais do projeto (projeto 6).

Foram ainda consideradas as dimensões da difusão e formação científica, cada vez mais importantes no seio da investigação europeia. O projeto prevê dois tipos de eventos de difusão: os VINCULUM Project Days, destinados ao público em geral e às escolas, e a realizar em quatro locais de Portugal, incluindo  Madeira e Açores, e contemplando bolsas para a participação de estudantes Cabo-verdianos;  e um   workshop sobre proteção patrimonial para proprietários de arquivos de família. Por outro lado, manterá um seminário de estudos pós-graduados, a conjugar com a formação oferecida pela FCSH, entre os anos 2 e 5 da sua vigência.