CHAM Talks, um podcast para ouvir ciência
17 de Abril de 2023, 13:06
Literaturas africanas, a Lisboa do passado, os povos indígenas no Brasil colonial ou a diáspora dos judeus sefarditas são alguns dos temas já abordados nas CHAM Talks, um podcast com entrevistas a investigadores do CHAM – Centro de Humanidades que conta já com 14 episódios – e a intenção de somar mais. Isabel Araújo Branco, docente do Departamento de Línguas, Culturas e Literaturas Modernas e Subdiretora do CHAM, coordena uma equipa com Alina Baldé, Daniella Zerbinatti, Inês Torres[1], José Alberto Catalão, Maria Clara Leal e Teresa Lacerda, estudantes e investigadores da NOVA FCSH, para realizar episódios com periodicidade quinzenal. A publicação é exclusivamente online, no YouTube, Anchor, Spotify, Google Podcast e Stitcher. Conversámos com Isabel Araújo Branco a propósito da iniciativa.
Como surgiu «CHAM Talks, um podcast para ouvir ciência»?
O projeto foi lançado em meados de outubro de 2022, no âmbito do pelouro “Comunicação de Ciência” da Direção do CHAM – Centro de Humanidades eleita uns meses antes. O objetivo era claro: contribuir para o debate sobre temas de interesse geral, muitas vezes refletindo relações com períodos históricos anteriores. Foi o caso do primeiro episódio, em que Pedro Cardim fala sobre o estatuto dos povos indígenas no Brasil colonial, mas acaba a conversar sobre a segunda volta das eleições presidenciais naquele país, que tiveram lugar no fim de 2022, dias depois de a entrevista ter sido lançada. Outro exemplo, entre vários possíveis: a propósito da arqueologia náutica e as descobertas sobre a Lisboa dos séculos XVII e XVIII proporcionadas por esta disciplina, Gonçalo Correia Lopes reflete sobre as consequências da explosão imobiliária na capital e a sua ligação com o resultado do trabalho dos arqueólogos. Queremos mostrar que não é correta a ideia de que o que investigamos – na História, nos Estudos Literários, na Filosofia, etc. – é algo que faz parte do passado, que está sossegado lá atrás, fechado em bibliotecas, arquivos ou gavetas… Também pode aí estar, até pode ser encontrado debaixo de terra ou de água… Mas o nosso trabalho nas Humanidades e nas Ciências Sociais tem impacto hoje, na compreensão do século XXI, e os nossos investigadores têm uma palavra importante a dizer sobre os temas que estudam. O seu contributo é fundamental porque o conhecimento que desenvolveram nessas áreas é profundo.
Mas o podcast não aborda apenas temas historiográficos…
Não, porque tem como base conversas com investigadores do CHAM, um centro que cruza os Estudos Literários, a História de Arte, a Filosofia, a Arqueologia, a História das Ideias, a História… E procura a multidisciplinaridade, como será visível, por exemplo, no episódio com Pablo Sánchez León sobre a construção e reconstrução da memória histórica em Espanha (durante a Guerra de 1936-1939, a ditadura e as várias fases do período democrático) e o papel das editoras, da historiografia e da própria literatura ficcional. E já que falamos desta área, o que sabemos sobre a literatura escrita por mulheres ciganas em Portugal? Ou sobre a forma como estão presentes as memórias sonoras e visuais das paisagens em textos narrativos de autores africanos? São questões muito pertinentes e interessantes. Basta colocar a pergunta para ficarmos imediatamente interessados em ouvir respostas. E os nossos investigadores falam sobre isso com entusiasmo e propriedade. Sobre estes dois exemplos concretos, temos entrevistas com Margarida Rendeiro e com Ana Maria Martinho.
São, portanto, episódios dirigidos a um público geral?
Pois, o público-alvo não tem de ser o académico. Pode ser também o mundo universitário, até porque o CHAM conta com 200 investigadores e esta é mais uma forma de dar a conhecer o trabalho que estamos a desenvolver, dentro e fora do centro. Os nossos ouvintes podem ser investigadores de outras áreas ou qualquer pessoa que queira conhecer mais sobre um determinado tema. Em episódios descontraídos de meia hora não é possível aprofundar nenhuma questão como num artigo ou num capítulo de livro. Nem isso se esperaria. Também não pretendemos falar sobre projetos de investigação, mesmo que estes possam ser referidos de passagem. Os podcasts são versões contemporâneas dos programas de rádio, que podem ser acompanhados por quem está em casa ou na rua, a caminhar, a cozinhar, a trabalhar ou simplesmente a ouvir. Queremos, sim, contribuir para o conhecimento sobre o nosso mundo e mostrar que as Humanidades dão um contributo fundamental para a reflexão do que é a sociedade humana. E que estamos continuamente a fazer novas descobertas e a reconhecer novas relações entre campos, entre autores, entre geografias…
[1] Inês Torres participa também no podcast “Três Egiptólogues Entram num Bar”, juntamente com Guilherme Borges e Luiza Osório da Silva.
Pedro Cardim: Os povos indígenas no Brasil colonial e contemporâneo, resistência e História O estatuto colonial dos povos indígenas no Brasil é o ponto de partida para uma conversa com Pedro Cardim, no primeiro episódio de CHAM Talks, um podcast para ouvir ciência. Nesta entrevista fala-se sobre os motivos da colonização portuguesa do Brasil, as diferentes formas como os europeus encaravam as populações locais, a relação entre violência e agricultura, o impacto nas relações sociais do uso de mão-de-obra intensiva, a tenaz resistência indígena ao poder colonial (através de ações militares, motins, apelo a tribunais, manutenção de traços culturais, etc.), o papel das ordens religiosas na aculturação das sociedades locais e a persistência em alguns setores brasileiros no século XXI de uma insensibilidade em relação às especificidades das culturas indígenas. |
Carla Vieira: A diáspora dos judeus sefarditas, construção de identidades e os pedidos de nacionalidade portuguesa no século XXI Porque há cada vez mais descendentes dos sefarditas a pedir a nacionalidade portuguesa? Porquê regressar no século XXI a um espaço de sofrimento familiar? Existe um turismo judaico em Portugal e Espanha? Como circulava a ideia da superioridade sefardita nas comunidades hebraicas europeias e norte-americanas no século XIX? Como foi a herança ibérica preservada nas tradições e língua sefardita? Estas e outras questões são abordadas no segundo episódio de «CHAM Talks, um podcast para ouvir ciência», numa entrevista a Carla Vieira sobre a expulsão dos judeus sefarditas da Península Ibérica e a sua diáspora mundial. |
Luís Andrade: Revistas, cultura e política no Portugal do século XX Instrumento de inovação na sensibilidade, gosto e estilos de vida, as revistas são por natureza uma expressão de ideias e cultura. Apelativas do ponto de vista estético e temático, as revistas desempenharam ao longo do século XX diversos papéis, entre eles o de estruturar movimentos culturais e definir correntes de pensamento e movimentos cívicos. Foi o que aconteceu com a Orfeu, Portugal Futurista, Presença, Germinal, Sementeira, Seara Nova e O Tempo e o Modo, entre outras. No terceiro episódio de «CHAM Talks, um podcast para ouvir ciência», Luís Andrade aborda a importância da imagem, a relação da imprensa com a censura, o uso de pseudónimos, o futuro das revistas no século XXI, o portal «Revista de Ideias e Cultura» e o Prémio Ler+ 2022, que recebeu em outubro. |
Margarida Rendeiro: Literatura escrita por mulheres ciganas, voz própria e distanciamento de estereótipos Quantas autoras ciganas existem em Portugal? E noutros países europeus? Porque se destaca o nome de Olga Maria neste panorama? Que condicionalismos históricos explicam o contexto de produção literária de mulheres ciganas? Como é a relação destas autoras com a comunidade? Que temas abordam os autores ciganos, longe dos estereótipos e imagens externas? Que línguas são utilizadas? Margarida Rendeiro conversa sobre literatura escrita por mulheres ciganas no quarto episódio de CHAM Talks, um podcast para ouvir ciência. |
Noemi Alfieri: Para além da descolonização política, saberes e práticas contra-hegemónicas e projetos editoriais africanos Noemi Alfieri conversa sobre projetos editoriais nascidos em África ou nas suas diásporas em meados do século XX, nomeadamente Mensagem, Présence Africaine e Black Orpheus. Entre características comuns, conta-se a descolonização política, cultural e do conhecimento, mas também mudanças epistemológicas, a dignificação da negritude e a consolidação de redes panafricanistas. Noemi Alfieri recorda as obras de Noémia de Sousa, Alda Espírito Santo, Mário Pinto de Andrade e Sarah Maldoror, entre outros, abordando a forma como as culturas com origem em África e na Europa foram comunicando. Noemí Alfieri fala ainda sobre o impacto de circulação, deslocações e laços pessoais e de solidariedade nestes processos. |
Vanda Witoto e Juciene Ricarte Cardoso: Amazónia, ecologia, saberes indígenas, mulheres e educação “A Amazónia são primeiro as pessoas. Não é apenas a vegetação – que é rica, bela –, não são somente os nossos rios”, afirma Vanda Witoto no sexto episódio de CHAM Talks, um podcast para ouvir ciência. A líder indígena brasileira recorda a ausência da aplicação de direitos fundamentais das populações amazónicas e a falta de assistência do Estado em áreas como a saúde, a educação ou as infraestruturas de água potável. Conversando sobre as consequências do desmatamento da Amazónia e da mineração, destaca o papel das mulheres ao longo de centenas de anos na defesa da identidade e da memória histórica. Por seu lado, Juciene Ricarte Apolinário recorda a história do Congresso Internacional Mundos Indígenas (COIMI), destacando o diálogo e a troca de conhecimentos sobre os povos originários. |
Ana Maria Martinho: Literaturas africanas, ecossistemas e paisagens Em que medida instrumentos teóricos como a ecocrítica, o pensamento decolonial e o feminismo nos ajudam a compreender narrativas e ensaios de autores africanos como Paulina Chiziane, Ruy Duarte de Carvalho, Dina Salústio, Pepetela ou Luandino Vieira? Como estão presentes nestes textos as memórias sonoras e visuais das paisagens rurais e urbanas? A memória histórica está imprensa também nas narrativas orais? Nos textos ficcionais, a mulher tem um papel preponderante na afirmação de modelos alternativos de família? Ana Maria Martinho responde a estas questões no sétimo episódio de CHAM Talks, um podcast para ouvir ciência. |
Paulo Pinto: Relações centenares entre filipinos e portugueses, Fernão de Magalhães, Lapu Lapu e sardinhas em conserva Porque são as Filipinas um país desconhecido para os portugueses hoje em dia? Este foi o ponto de partida da entrevista a Paulo Jorge de Sousa Pinto, investigador integrado do CHAM – Centro de Humanidades, numa conversa sobre as relações históricas entre as Filipinas e Portugal. Paulo Pinto fala sobre a imagem recíproca destes dois países, as figuras de Fernão de Magalhães e Lapu Lapu, o confronto entre a memória imaginária e a memória real, as comemorações da viagem de Magalhães e El Cano, o papel dos historiadores no estreitamento das relações entre portugueses e filipinos, os projetos académicos em curso… e as sardinhas Mabuti, produzidas em Matosinhos e as favoritas dos filipinos. |
Teresa Nobre de Carvalho: A construção de um novo saber botânico no mundo de Quinhentos O século XVI assiste a uma explosão no conhecimento do mundo botânico. No regresso das viagens de exploração oceânicas, portugueses e espanhóis trazem novas plantas que, por um lado, ampliam o conhecimento acerca da biodiversidade à escala planetária e, por outro, motivam os europeus a conhecer melhor a sua própria flora. A investigadora do CHAM, Teresa Nobre de Carvalho, fala sobre este processo e as diversas metodologias de análise adotadas para a descrição de plantas provenientes de diferentes regiões do globo. A investigadora aborda em particular a circulação do ananás, fruto que surpreende pela sua espetacularidade e sabor invulgar e que, cruzando os oceanos, se difunde, a partir do Brasil e do Novo Mundo. |
Alice Santiago Faria: Obras públicas do império português no século XIX Alice Santiago Faria, investigadora integrada do CHAM – Centro de Humanidades, conversa sobre obras públicas do império português no século XIX, falando sobre a relevância destes edifícios e infraestruturas ainda hoje nos diversos territórios. Qual a importância da formação de engenheiros luso-descendentes em Goa na sua autonomização? De que forma atuaram as Direções das Obras Públicas locais e qual o seu impacto? Que edifícios e obras se destacam? Alice Santiago Faria responde a estas e a outras perguntas. |
Gonçalo Correia Lopes: A arqueologia náutica e a Lisboa dos séculos XVII e XVIII Como fazer arqueologia debaixo de água? Também se faz arqueologia náutica em terra? Como eram construídas as embarcações entre os séculos XV e XVIII, que materiais eram utilizados e com que fim? O que lhes acontecia quando deixavam de ser usadas? O “trabalho de detetive” do arqueólogo permite adivinhar a rota de uma embarcação naufragada através do estudo da sua carga? Gonçalo Correia Lopes explica tudo isto e conta como Lisboa se foi desenvolvendo em função do rio e do mar, como se foram construindo aterros na zona que corresponde hoje à faixa entre o Cais do Sodré e o Beato e como os materiais náuticos eram reaproveitados pelas populações. |
Eduardo Raposo: Da poesia luso-árabe à nova música portuguesa A influência da cultura árabe na lírica portuguesa é conhecida, mas Eduardo Raposo traz uma nova abordagem sobre essa herança, sublinhando a importância do “Século de Almutâmide”. Em conversa no CHAM Talks, o investigador fala sobre o impacto do zéjel (canção árabe-andalusa) na poesia galaico-portuguesa, aragonesa e italiana e recorda as cortes interculturais dos primeiros reis de Portugal, formada também por moçárabes. Eduardo Raposo destaca a forma como a poesia e a música ajudam a redescobrir uma matriz mediterrânica riquíssima, anterior à Inquisição, e explica como a poesia luso-árabe está presente na atual música portuguesa. A entrevista é conduzida por Teresa Lacerda. |
João Paulo Oliveira e Costa: a viagem na descoberta da identidade portuguesa As viagens e as suas múltiplas observações foram essenciais para João Paulo Oliveira e Costa compreender Portugal e as suas características, em particular nos percursos pelas fronteiras. O investigador integrado do CHAM conversa sobre a compreensão de uma identidade portuguesa integrada numa identidade europeia, a importância da língua portuguesa como veículo de união e de identidade e a herança genética da atual população portuguesa, entre outros temas. A entrevista é conduzida por Teresa Lacerda. |
Pablo Sánchez León: a memória histórica e a Espanha contemporânea “A memória não se pode apagar. É uma parte constitutiva de qualquer cultura. No fundamental, as culturas são a sua própria memória. É o que permite que as culturas se mantenham vivas”, afirma Pablo Sánchez León no CHAM Talks, num episódio em que se conversa sobre o projeto editorial Postmetropolis, o cruzamento do discurso histórico com o discurso ficcional na Espanha contemporânea, a importância da cidadania e as implicações da “Lei de Memória Democrática» (2022). Porque o historiador não conta o passado, mas «pensa historicamente o presente a partir de um conhecimento crítico do passado”. |
Silvana Roque de Oliveira: os indicadores bibliométricos e a nova perspetiva europeia da avaliação da ciência Todas as ciências devem ter o mesmo tipo de avaliação? Que desvantagens tem para as Ciências Sociais e Humanas a avaliação quantitativa com base na Bibliometria? Silvana Roque de Oliveira, Investigadora Integrada do CHAM, conversa sobre usos dos indicadores bibliométricos ao longo do tempo até à atual proposta europeia de reforma da avaliação da ciência lançada pela CoARA. |
Hervé Baudry: as humanidades digitais na compreensão da censura e da Inquisição «Comemorar um poeta legalmente assassinado – como António José da Silva, o “Judeu” – é comemorar todos os legalmente assassinados e todos os legalmente injustiçados da História», comenta Hervé Baudry, investigador integrado do CHAM, sobre a utilização de novas tecnologias na transcrição e compreensão de textos censurados pela Inquisição, em particular no projeto TraPrInq. |
Susana Goulart Costa: alimentação e religiosidade A história sobre alimentação na Macaronésia (Canárias, Cabo Verde, Madeira e Açores) foi essencial para entender e relacionar os hábitos alimentares e práticas religiosas e espirituais. Em conversa com o CHAM Talks, a investigadora aborda aumento exponencial do consumo de açúcar no período da expansão marítima e as diferenças entre os ingredientes dos pratos do continente e das ilhas. |
Patrícia Carvalho: Quando os barcos se afogam “Quando os barcos se afogam” é o mote desta entrevista sobre a arqueologia dos navios. Patrícia Carvalho, investigadora integrada do CHAM – Centro de Humanidades conversa sobre os materiais que permitem aos arqueólogos estudar a sociedade que construiu e utilizou as embarcações tais como os cemitérios de náufragos, os acampamentos temporários de sobreviventes, objetos de oferendas, rituais e mitos |
Episódio 19 |
Isabel Soares de Albergaria: Casas Senhoriais e Jardins Históricos em Portugal «A casa nobre não é um produto de mercado, como hoje. É algo muito mais permanente e simbólico. Antes de ser um edifício, a casa é um nome, uma linhagem, um conjunto de bens fundiários e de capital simbólico», explica Isabel Soares de Albergaria. Na conversa, fala-se sobre a relação entre a casa nobre e o jardim no contexto moderno do Ocidente, a conceção milenar da noção de jardim como espaço separado das áreas urbanas e rurais, a relação com a imagem do éden perdido, as mudanças no fim do Antigo Regime, as características genéricas dos 225 jardins históricos portugueses e as atuais perspetivas inovadoras sobre o estudo dos jardins
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