Boas ideias leva-as o vento. É o caso de um dos projetos do CRIA

Se o século XIX nos proporcionou o impulso final da Revolução Industrial, o século XX trouxe-nos a Terceira Vaga, teorizada em 1980 por Alvin Toffler, com benefícios ligados à ampliação de métodos de produção e notáveis transformações tecnológicas, políticas e sociais. Se, em termos simplistas, é assim que se podem caracterizar estes dois períodos, como será o presente, este século? A resposta terá de esperar pelo “efeito espelho retrovisor”, mas é possível que seja recordado como aquele em que a Humanidade foi, lenta mas progressivamente, despertando para as questões ambientais e o desenvolvimento sustentável.

Questão incontornável à preservação do meio ambiente é a forma como geramos eletricidade. Enquanto esperamos pela chegada da energia de fusão, que apesar dos esforços internacionais não deve acontecer antes do ano 2050, as renováveis “convencionais” afirmam-se mundialmente como uma alternativa, crescendo para além do nicho de mercado inicial. Portugal é um bom exemplo, com os últimos anos a serem marcados pelo “crescimento exponencial do número de parques eólicos, respondendo às pressões políticas e económicas para atingir metas ambiciosas no que concerne à produção de energia”, nota Luís Silva, investigador do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA/NOVA FCSH) e autor de dezenas de estudos que, de alguma forma, estão ligados à relação entre turismo, ambiente e energia. Um destes visa em particular este tipo de geração de energia e acerta em cheio numa questão central: “Ambiente, paisagem, património e economia: Os conflitos em torno de parques eólicos em Portugal”.

Considerando que, de forma geral, a criação de fontes energéticas alternativas e sustentáveis se pauta por discursos consensuais – mitigação das alterações climáticas, diminuição da dependência energética face ao exterior – a nível local os conflitos tornam‑se visíveis. São causados pela “destruição visual da paisagem, impactes nocivos nos ecossistemas rurais, nas atividades turísticas [e] na saúde“, observa Luís Silva. Sendo Portugal um país fortemente dependente do turismo, importa questionar até que ponto as tecnologias de produção de energia renovável afetam negativamente a atratividade dos destinos rurais – e é exatamente este o ponto de partida de um novo projeto de investigação do antropólogo da NOVA FCSH.

Intitulado “Explorando as relações entre produção de energia renovável e turismo rural em Portugal” e financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, o projeto promete “investigar a relação entre a geração de eletricidade através de fontes de energias renováveis e o turismo rural”, explica Luís Silva. A relação entre vários fatores não é simples, até porque “varia de acordo com a tecnologia em questão”, mas constitui um bom exemplo de como as ciências sociais e humanas podem complementar outras áreas do conhecimento, nomeadamente as ligadas às ciências exatas.

O estudo propõe-se a examinar o impacto no turismo rural de infraestruturas como centrais hidroelétricas, centrais solares ou parques eólicos. A metodologia recorre a técnicas habitualmente utilizadas em antropologia, “concretamente pesquisa bibliográfica e documental, entrevistas abertas e trabalho de campo com observação participante”. Esta é uma forma de “acrescentar conhecimento sobre um tema relevante que merece mais atenção do ponto de vista antropológico” e que ganha ainda mais relevância se tivemos em conta “as relações muitas vezes conflituantes entre a transição para uma economia de baixas emissões de gases de efeito estufa, necessária para combater as alterações climáticas, e a transição económica do mundo rural em distintas geografias”, explica o membro do CRIA.

 

A energia hídrica e o caso de Alqueva

Pela dimensão – é o maior lago artificial da Europa Ocidental – a barragem de Alqueva, com 96 metros de altura e 458 de comprimento, é talvez o caso mais emblemático em Portugal. Foi primitivamente projetada para a rega agrícola, em 1957, em pleno Estado Novo, quando foi desenhado o Plano de Rega do Alentejo. Entretanto, acabou por ser chamada a desempenhar outras funções além da irrigação de terras agrícolas (110.000 hectares inicialmente previstos), incluindo o abastecimento regular de água às populações e, claro, o turismo e a geração de hidroeletricidade.

Porque isoladas as ciências exatas não nos conseguem dar todo o complexo panorama resultante de um projeto de tal envergadura, Luís Silva estudou os efeitos da nova albufeira, “concebida para reter grandes quantidades de água numa região seca e em processo de desertificação física e humana, mas também para gerar hidroeletricidade e um centro atrativo passível de estimular o turismo numa zona periférica”, recorda o investigador. O resultado observado aponta para o crescimento da “atratividade e atividade turística em Monsaraz, mormente a partir de finais da década de 2000”. Por exemplo, “a oferta de alojamento passou de oito unidades, em 2003, para 15 unidades em 2017, ao passo que a capacidade de acomodação aumentou de cerca de 100 para sensivelmente 140 pessoas”. E tudo isto numa área antes à beira da desertificação, mas que hoje se tornou um dos grandes centros turísticos do Alentejo. “O Alqueva foi a cereja no topo do bolo”, chegou mesmo a declarar o Presidente da Junta de Freguesia de Monsaraz, entrevistado em 2016 e citado no estudo de Luís Silva. Em suma, o estudo académico demostrou, “com base em dados recolhidos antes e depois do enchimento do lago de Alqueva”, ter sido incrementada a atração do lugar, ao mesmo tempo que se alavancou “o sector do turismo em Monsaraz e na respetiva freguesia”, lê-se na conclusão.

Em modo mais simples, quando perguntado à população sobre o que de melhor o Alqueva lhes trouxe, a resposta é que “veio dar brilho a Monsaraz”, na medida em que “melhorou a vista e a paisagem em roda” da povoação numa planície historicamente seca. No fundo, o melhor resumo é feito por um empresário da zona: “agora, há água”.

 

Bilhete de Identidade

  • Nome: Explorando as relações entre produção de energia renovável e turismo rural em Portugal
  • Equipa NOVA FCSH: Luís Silva (CRIA)
  • Duração: 2019 – 2025
  • Entidade financiadora: Fundação para a Ciência e a Tecnologia. É um projeto CEEC individual, com a duração de 6 anos, para um investigador auxiliar

 

 

BREVE BIOGRAFIA – LUÍS SILVA

Doutorado em Antropologia, é Bolseiro de Investigação Sénior do CRIA no âmbito do programa FCT Estímulo ao Emprego Científico 2017 Individual (FCT CEEC). Coordena o Grupo de Investigação em Ambiente, Sustentabilidade e Etnografia do CRIA desde 2020. Publicou 5 livros, 28 artigos em revistas com avaliação por pares e 13 capítulos de livros, a maioria dos quais como autor único. Recebeu 4 bolsas de investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e outra do antigo Centro de Estudos de Antropologia Social (CEAS – ISCTE).

Participou em 2 projetos de pesquisa internacionais e 17 nacionais, 3 dos quais como Investigador Principal. Realizou revisão por pares para 11 periódicos internacionais e 4 nacionais, avaliou propostas de projetos de pesquisa para a Comissão Europeia (H2020-SC5-CIRC-SCC-NBS-2017), o Conselho Europeu de Pesquisa (ERC-2020-STG) e outras instituições financiadoras (Latvian Science Council – em 2012; Austrian Science Fund – em 2018).

Os seus principais interesses de pesquisa incluem turismo rural, ecoturismo, património cultural, identidade nacional, fronteiras internacionais, moinhos de água tradicionais, energia renovável e transições energéticas de baixo carbono. Foi investigador visitante no Departamento de Antropologia da Universidade de Barcelona em Barcelona, Espanha, e no laboratório ART-Dev em Montpellier, França, em 2010. Foi delegado nacional na Ação COST TU 1401 – “Energias Renováveis e Qualidade da Paisagem” (2014-2018).

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