"Alcindo" vence prémio do público no Doclisboa

“Alcindo”, documentário de Miguel Dores realizado no Mestrado em Antropologia (Culturas Visuais), venceu o prémio do público na edição de 2021 do Doclisboa

«A 10 de junho de 1995, sob o pretexto múltiplo de celebrar o Dia da Raça e a vitória do Sporting para a Taça de Portugal, um grupo volumoso de nacionalistas portugueses saiu às ruas do Bairro Alto com o objetivo de espancar todas as pessoas negras que encontrasse pelo caminho. O resultado oficial do evento foram dez vítimas, uma destas mortal, Alcindo, cuja trágica morte na rua Garrett atribui o nome ao processo de tribunal – o caso Alcindo Monteiro

O filme estreou no dia 24 de outubro no Cinema São Jorge e contou com a presença da família de Alcindo Monteiro. Miguel Dores agradeceu à família pela coragem com que olha para este caso e lembrou: «nós não devíamos estar aqui todos reunidos, não devíamos ter feito este filme». O realizador e antropólogo, formado na NOVA FCSH, revela que o grande objetivo vai ser sempre «prestar homenagem e lutar para que não volte a acontecer o que aconteceu».

 

 

Este filme foi possível depois de uma campanha de crowdfunding,  que suportou diversas despesas relacionadas com a pós-produção (coloração, grafismo, sonoplastia, mistura de som e direitos de imagem). O documentário aproxima-se da trágica noite de 10 de junho de 1995 a partir de vários camadas de memória, às quais correspondem diferentes dispositivos de produção documental:

— memórias de entes-queridos de Alcindo;
— memórias e problematizações de jovens negros/as sobre racismo em Portugal nos anos 90;
— arquivos audiovisuais, imprensa escrita e gráfica sobre violência racial nos anos 90, vídeos caseiros, panfletos, documentos judiciais, revistas políticas;
— entrevistas e performances de militâncias dos movimentos anti-racista e anti-fascista;
— observação de matrizes coloniais presentes na geografia da cidade de Lisboa;
— observação de mobilizações sociais contemporâneas.

«Na noite de 10 de junho de 1995 Alcindo Monteiro ia para o Bairro Alto dançar, divertir-se. Só isso. Acabou assassinado num crime racista que reconstituímos passo a passo.» Leia a reportagem do Observador.

 

Artigo no Diário de Notícias com as declarações do Primeiro-Ministro Cavaco Silva

 

Miguel Dores explicou, no editorial da newsletter do Fumaça, as razões que o levaram a escolher este tema para o trabalho de mestrado:

«Na viragem para 2019 procurava o meu tema de tese em Antropologia. Tema, tema, até tinha, mas era ingénuo e academicista. O início do ano fora marcado pelo grande destaque dado a Mário Machado num programa de Manuel Luís Goucha, no contexto de uma mobilização da Nova Ordem Social denominada “Salazar faz muita falta”. Eu, como muitos de nós, perguntei-me “como é possível?”. O espanto era despropositado. Vim a compreender mais tarde que aquela era uma das primeiras etapas de um período de higienização de figuras e discursos fascizantes, inserida num contexto mundial de recrudescimento de projetos conservadores e nacionalistas. Em confidência a um amigo disse que deveria era fazer um documentário sobre o caso Alcindo Monteiro. Este respondeu-me que tinha em casa uma revista organizada pela Frente Anti-Racista, em 1997, com uma compilação de recortes de jornal sobre o caso. Abrir esta revista foi o início de Alcindo.»