25 de Abril Sempre! Nacionalizações nunca mais?

Sai da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, chega a parar num semáforo vermelho na Cidade Universitária, já em Lisboa, de onde segue para a Praça do Comércio, epicentro do poder do Estado Novo. Da ocupação desse espaço à queda do governo, Salgueiro Maia não necessita de muitas conversas: cerca de 12 horas bastam até forçar a rendição de Marcelo Caetano, no Largo do Carmo, de onde sai derrotado e vaiado pelo povo. Encerrava-se um capítulo de 41 anos na História de Portugal.

De forma simplista resume-se assim a Revolução do 25 de Abril, exultada, e muito bem, por tantas publicações focadas no contexto político, militar e social do evento. Só que, curiosamente, os textos focados na vertente económica são escassos. “Embora exista uma literatura considerável dedicada à intervenção do Estado na economia durante o Estado Novo português, os anos entre 1950 e 1974 receberam pouca atenção. O caso é ainda mais grave em relação aos Planos elaborados após a Revolução dos Cravos, que foram quase esquecidos”, nota Ricardo Noronha, investigador do Instituto de História Contemporânea (IHC) e autor de dezenas de trabalhos dedicados ao período pré e pós revolucionário. Trata-se de “uma lacuna que limita a nossa capacidade de compreender a trajetória da economia portuguesa durante o XX, nomeadamente o papel desempenhado pelo Estado”, dado que “uma história do planeamento económico em Portugal pode oferecer uma perspetiva inovadora de mudança e continuidade em uma economia pequena e aberta, ao longo de um longo arco temporal”, considera. Só que, “em vez de fornecer uma conta institucional convencional ou uma avaliação econométrica do crescimento”, a pesquisa do investigador distingue-se antes por usar o planeamento económico como um ponto de vista para interpretar a transformação estrutural da sociedade portuguesa no final do século XX. E cá está o ponto de contacto com as ciências sociais e humanas.

Efetivamente, a História do 25 de Abril escreve-se de forma mais ampla pelo lado da liberdade e democracia do que pela sua vertente puramente financeira. Por exemplo, até Sérgio Godinho a ignora quando, numa das suas famosas músicas de intervenção, afirma que “só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação”. No fundo, faces da mesma moeda (recorde-se, na altura o Escudo).

O Escudo foi a moeda portuguesa antes do Euro. Hoje, 500 escudos valeriam cerca de 2,5 euros

 

“É a economia, estúpido!”*

*Frase celebrizada por James Carville, responsável pela estratégia eleitoral de Bill Clinton quando, em 1992, venceu as eleições americanas contra George W. Bush

Antes da Revolução, Portugal era governado por uma ditadura que deixou a economia num estado de subdesenvolvimento e a população em condições de pobreza, desigualdade e analfabetismo extremas. Em 1970, este último facto chega a afetar uma em cada três portuguesas. Após o golpe de Estado foram criados programas de habitação, saúde e educação que beneficiaram a população em geral, acompanhados de um programa de nacionalização de várias empresas entendidas como estratégicas, ligadas à banca, seguros, telecomunicações ou transportes. “Parte da minha investigação centrou-se principalmente na trajetória económica de Portugal entre 1976, quando um modelo de desenvolvimento liderado pelo Estado foi inscrito na Constituição, até 1989, quando o texto foi alterado para permitir a privatização de setores-chave da economia”, esclarece Ricardo Noronha. E as conclusões são interessantes.

Edifício do Banco de Lisboa – futuro Banco de Portugal – em 1862, no Largo do Pelourinho

É evidente que o golpe militar de 25 de Abril de 1974 precipitou uma crise de Estado, assinalada pelo reforço dos partidos de esquerda e pelo crescente protagonismo político dos militares do Movimento das Forças Armadas”, considera o investigador. Na altura, as políticas económicas seguidas tiveram como resultado “um substancial reforço da intervenção do Estado na esfera económica, por via da nacionalização do sistema financeiro e dos grandes grupos económicos que o controlavam”. Um dos exemplos óbvios é o da nacionalização da banca, aprovada logo em 1975 pelo Conselho da Revolução.

O projeto desta linha de investigação dentro do IHC, onde se insere Ricardo Noronha, tem exatamente seguido o caminho de “interpretar as dinâmicas políticas e sociais que conduziram às nacionalizações” – revertidas pelo PS e PSD no final dos anos 80 e 90 – inspiradas “numa via portuguesa para o socialismo”, mas não só. Por exemplo, aborda também “o modo como as lutas sociais contribuíram para um processo de radicalização cumulativa iniciado no final do Estado Novo e que ganhou intensidade crescente ao longo do processo revolucionário“, avança.

Está patente, na escadaria da NOVA FCSH, um conjunto de cartazes históricos dedicados ao 25 de Abril. Um destes alude exatamente à questão da banca e da política de nacionalizações seguida pelos novos partidos políticos

O trabalho do investigador oferece também uma perspetiva pouco comum. Desconstrói “uma análise anterior centrada na noção de elites e que, por isso, considerava que a nacionalização da banca resultou sobretudo da vontade de um partido político o PCP e de um setor do MFA a Esquerda Militar. O problema é que semelhantes análises deixavam por explicar uma série de coisas, desde logo o facto de todo o MFA ter apoiado a nacionalização (incluindo o que viria a ser o Grupo dos 9) e de tanto o PS como o PPD terem saudado a medida”, nota o investigador.

O trabalho de investigação ligado a este tipo de perspetiva económica serve, portanto, para compreender de forma mais ampla todos os acontecimentos tiveram origem ou resultaram da Revolução, complementando áreas tradicionalmente cobertas por outras disciplinas das ciências sociais e humanas. Colocado em português corrente do período revolucionário, “é a economia, pá!”.

Conjunto de cartazes históricos dedicados ao 25 de Abril exibidos na Torre B da NOVA FCSH. O material pertence à Ephemera – Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira