Terceiro espaço

A noção de ‘terceiro espaço’ tem sido apropriada por diferentes autores divergindo consoante a área do conhecimento em questão; da Geografia, com Soja (1996) – inspirado em especial por Lefebvre (1974) – à comunicação intercultural, ou à educação. O termo tem sido mais amplamente usado a partir da publicação do estudo seminal de Homi Bhabha, intitulado The Location of Culture, em que o autor teoriza sobre perspectivas pós-coloniais inovadoras em relação a conceitos como ‘identidade’, ‘alteridade’, ‘comunidade’, ou ‘hibridismo cultural’.

A dificuldade em conseguir uma definição fixa e satisfatória reflecte precisamente a natureza do termo que remete para a possibilidade de um espaço aberto à interpretação, reflexivo, subjectivo, transitório, em exploração. É possível aceder a este espaço construído e vivido na imaginação através das artes e da literatura. Trata-se, assim, de um espaço onde a produção de significados emerge a partir da relação desenvolvida entre leitor e texto literário, por exemplo. Em suma, podemos considerar que se trata, metaforicamente, de um espaço mental livre de sanções e constrangimentos que convida à reflexão, privilegia o incerto, o indefinido, a ambiguidade, e permanece aberto a diferentes possibilidades imaginadas a partir da relação dialógica com a alteridade. Ao examinar o fenómeno do acto de leitura literária, Iser contribui para esclarecer este conceito:

Indeed, the latent disturbance of the reader’s involvement produces a specific form of tension that leaves him suspended, as it were, between total entanglement and latent detachment. The result is a dialectic – brought about by the reader himself – between illusion-forming and illusion-breaking. […] The ‘conflict’ can only be resolved by the emergence of a third dimension, which comes into being through the reader’s continual oscillation between involvement and observation. It is in this way that the reader experiences the text as a living event. (Iser 1980: 127-128)

Este terceiro espaço situa-se, então, numa zona de tensão e é precisamente essa tensão ou essa perturbação que conduz à reflexão e inicia a procura de respostas pelo leitor. A construção de significados nasce nesse espaço instável, de movimento, ou oscilação, situado entre duas esferas; de um lado, a participação do leitor, imerso no mundo que vai construindo durante a leitura; do outro, o momento em que o mesmo leitor se distancia desse mundo ficcional para o observar, reflexivamente, de fora. Este espaço inconstante, criado a partir desse movimento oscilante, tem um potencial criativo e propício à (re)negociação de sentidos. Por esta razão, o texto literário apresenta o potencial de um espaço de transformação e de diálogo entre contextos culturais diversos, algo que a literatura de viagens tende a evidenciar.

A seguinte passagem pode ser explorada no sentido de ilustrar a construção do terceiro espaço no texto literário. Marco Polo, paradigma do viajante real e imaginado, assim como do contador de histórias, dirige-se ao seu interlocutor, Kublai Khan, destinatário privilegiado dos seus relatos de viagem:

Everything I see and do assumes meaning in a mental space where the same calm reigns as here, the same penumbra, the same silence streaked by the rustling of leaves. At the moment when I concentrate and reflect, I find myself again, always, in this garden, at this hour of the evening, in your august presence, though I continue, without a moment’s pause, moving up a river green with crocodiles or counting the barrels of salted fish being lowered into the hold. (Calvino 1974: 82)

O terceiro espaço liberta a relação dicotómica do ‘eu versus outro’, permitindo que neste espaço mental de reflexão e concentração Marco Polo, como viajante cultural, elabore os significados das suas experiências, em silêncio. Este terceiro espaço não elimina, contudo, a relação binária inicial, mas apresenta uma oportunidade para repensar essa relação apresentando alternativas à existência de apenas duas categorias em oposição. Assim, a presença de um Outro, Kublai Khan, é um elemento necessário para ajudar a traduzir o conhecimento e a experiência numa reflexão consciente. Este espaço mental de meta-reflexão é, consequentemente, caracterizado por uma abertura radical, um espaço de reflexão crítica que pode convocar múltiplas perspectivas.

Bhabha, Homi, The Location of Culture, London, Routledge, 1994.

Calvino, Italo, Le Città Invisibili, Giulio Einaudi Editore, [translated by William Weaver, 1979, Invisible Cities, London, Pan Books], 1972.

Gutiérrez, Kris; Elizabeth Mendoza & Christina Paguyo, Third Space and Sociocritical Literacy. In Kylie Peppler (ed.), The SAGE Encyclopedia of Out-of-School Learning, Newcastle, Sage, 2017.

Iser, Wolfgang, The Act of Reading, Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1980.

Lefebvre, Henri, La production de l’espace. Lyon, Éditions Anthropos, 1974.

Soja, Edward W., Thirdspace: Journeys to Los Angeles and Other Real-and-Imagined Places, Oxford, Blackwell Publishing, 1996.

 

Ana Gonçalves Matos