Lugar Literário

Um lugar passa a existir quando é nomeado e isolado do espaço maior e indistinto que o envolve (Tuan, 2006). Nesta perspectiva, um lugar é sempre uma construção social e é o “centro da experiência, da memória, do desejo e da identidade humanas” (Baker, 2000: 291). Consequentemente, o lugar literário reflecte todos estes aspectos, tendo a particularidade de a sua construção ser mediada pela literatura, uma vez que há um “arrastar” (Rojek, 1997: 52-74) do literário para a paisagem física. No contexto do turismo, há dois tipos de lugares literários. O primeiro inclui aqueles lugares que foram representados em textos literários (Fawcett e Cormack, 2001: 687) – que lhes serviram de cenário ou constituíram fonte de inspiração. O segundo, e o mais popular, associa-se claramente à figura do autor. Se no primeiro tipo, o turista/viajante procura o produto da imaginação, própria do mundo literário, na realidade do mundo físico, motivado pelo desejo de encontrar no real aquilo que leu nas páginas de um livro, no segundo tipo, o turista/viajante procura, acima de tudo, um encontro com o autor. Neste caso, o turista assemelha-se à figura do “peregrino literário” (Herbert, 2001: 312-313), com origens no Grand Tour, ou seja, alguém que, movido por uma profunda afeição e admiração, se propõe voluntariamente a percorrer longas distâncias com o objectivo único de experimentar, em primeira mão, uma comunhão com o autor que admira. E fá-lo com o desejo claro e quase invasor de “tocar” o autor: ver o que ele viu, sentir o que ele sentiu, estar onde viveu, onde escreveu, onde morreu, onde foi sepultado, sentar-se onde o autor se sentou, observar e tocar os seus objetos. Este peregrino literário, cujo elemento inspirador da viagem é, sem dúvida, o autor, procura um encontro imaginário com o escritor, uma comunhão, ao mesmo tempo que deseja ser associado ao seu génio (North, 2009). Por vezes, o lugar literário é construído, amplificado e, até mesmo, criado e encenado para atrair os turistas (Herbert, 2011), transformando-se em mais um dos produtos da indústria do turismo. Não obstante o maior ou menor grau de encenação nestes lugares, a questão da autenticidade permanece fulcral na sua construção e/ou preservação. Ou seja, ainda que possa ser levado ao extremo artificial, como sucede com os parques temáticos construídos com base num autor ou numa obra (ex: Dickens World, em Inglaterra), o lugar deverá sempre transmitir ao visitante a sensação de proximidade do autêntico, de materialização do seu conhecimento do autor ou da sua leitura da obra. Poderá fazê-lo incorporando elementos que pertenceram ao autor, reproduzindo fielmente um ambiente criado numa obra ou expondo elementos tangíveis que correspondem aos referidos num determinado livro. Estes lugares literários fazem parte da paisagem do turismo de património (Herbert, 2001) e são construídos e trabalhados pelos promotores das actividades turísticas que agem com o objectivo de transmitirem um conjunto de imagens que, na sua opinião, vão ao encontro do que o maior número de turistas procura. Por esse motivo, em alguns destes lugares literários, o número de visitantes movido por pura curiosidade supera mesmo o dos «peregrinos literários» (Herbert, 2001: 316). Estes últimos são os mais motivados, os mais informados, aqueles que estão na posse de um conhecimento prévio que lhes permite ler o lugar e construir a partir de um lugar banal um lugar literário. Com efeito, sem a informação necessária o lugar pode ser reconhecido como património local e como um lugar a visitar, mas não pode ser descodificado e usufruído pelo visitante enquanto lugar literário. Na origem do lugar literário estão, portanto, o autor, a obra, mas também, a capacidade do turista para estabelecer conexões entre estes e os lugares. Em Portugal, há um conjunto de lugares literários que se destacam, como por exemplo, o Martinho da Arcada, associado a Fernando Pessoa, o Convento de Mafra, por associação ao Memorial do Convento, de José Saramago e o Hotel Lawrence, no qual se hospedam algumas das personagens de Eça de Queirós.

 

Bibliografia: Claire Fawcett e Patricia Cormack, “Guarding Authenticity at Literary Tourism Sites”, Annals of Tourism Research, 28(3), 2001: 686-704; Chris Rojek, “Indexing, Dragging and the Social Construction of Tourist Sights”, in C. Rojek & J. Urry (eds.), Touring Cultures, 1997: 52-74; David Herbert, “Literary Places, Tourism and the Heritage Experience”, Annals of Tourism Research 28(2), 2001: 312-333; Julian North, “Literary Biography and the House of the Poet”, in N. J. Watson (Ed.), Literary Tourism and Nineteenth-century Culture, 2009: 49-62; Yi Fu Tuan, Place, Art and Self, 2006.

 

Rita Baleiro e Sílvia Quinteiro