Literatura e teatro

A literatura e o teatro, nos seus diferentes géneros, referem ou retratam doenças evocando a sua sintomatologia e, sobretudo, os seus efeitos no quotidiano das populações e nas relações interpessoais. As obras literárias e as peças teatrais permitem desenvolver um olhar renovado sobre a doença junto de públicos mais alargados. Partindo de novos ideários artísticos e filosóficos, expõem o preconceito e a segregação social face a alguns doentes, criticando os hábitos da sociedade e as posturas governamentais. Contribuem, assim, para a sociedade refletir sobre si mesma e a sua percepção e reação à doença.

Na literatura expressaram-se emoções e anseios dos habitantes anónimos das cidades. Os espaços urbanos seriam os mais fustigados por epidemias, devido à sua escala e por assumirem uma posição de destaque nas rotas comerciais e de circulação.

IELT –  Atlas das Paisagens Literárias em Portugal Continental, [Referência: ALMEIDA, Fialho de – A Cidade do Vício. 1ª edição. Porto: E. Chardron, 1882, p. 219] [s.d.]

“Já olhaste bem Lisboa? […] Por cem mil habitantes, trezentas mil enfermidades, três enfermidades por habitante. Velhas moléstias do tempo das Conquistas, trazidas de todo o mundo em despojo de vassallagem, copulando há quatro séculos através da nossa pobre raça, teem gerado uma tropa extravagante de males que pullulam com vida própria, divergindo conforme a cachexia do tronco que apodrentam, multiplicando-se, resistindo á therapeutica […].”

Em O Meu Porto, Mário Cláudio descreve o operariado portuense, evidenciando as más condições de trabalho, e a poluição a que população estava exposta pela atividade fabril. A pobreza e a má nutrição da classe operária, tornava-a vulnerável a doenças endémicas, entre as quais a tuberculose.

IELT –  Atlas das Paisagens Literárias em Portugal Continental, [Referência:  CLÁUDIO, Mário – O Meu Porto. Porto: Dom Quixote, 2001,  p.51] [s.d.].

“De corações setecentistas, de milheirais, de igrejas de romaria e de restos do surto fabril de primórdios do século se pintavam, e se pintam, as estâncias de Ramalde, […] E assomavam os operários das fábricas à soleira da entrada das suas casinhas térreas, a desconjuntar-se nos acessos da tosse da tuberculose dos anos quarenta, lamentando-se da incomportável subida do custo de vida […].”

A sintomatologia física das doenças aparece mencionada, ora num tom realista, ora através de analogias. Em O Dia dos Prodígios, Lídia Jorge descreve os sapos como estando “enrrugados como por lepra”, remetendo para as deformações que a doença provocava, além das manchas de coloração.

IELT –  Atlas das Paisagens Literárias em Portugal Continental, [Referência:  JORGE, Lídia – O Dia dos Prodígios. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1985, p.69] [s.d.].

“Às vezes os sapos vinham abrir as bocas contra o sol, pele espalmada sobre os penedos mais rasteiros. […] Havia dos grandes, enrugados como por lepra, aos saltos, solavancos e sussurro de pregas.”

A par da doença e dos seus sintomas, encontramos a referência a médicos e investigadores em Portugal. Entre eles, José Tomás de Sousa Martins (1843-1897), médico e professor, é equiparado a um santo, devido ao seu contributo no combate à tuberculose.

IELT –  Atlas das Paisagens Literárias em Portugal Continental, [Referência:  BEJA, Filomena Manora – A Cova do Lagarto. Lisboa: Sextante, 2007, p. 116.] [s.d.].

“A estátua do Doutor Sousa Martins. Sempre alguém junto do pedestal. Pedidos de curas milagrosas. Flores murchando, apodrecendo. E cera. Velas derretidas, muitas apagadas pelo vento ou pela chuva. […] Perguntara que crença era aquela. Santidade?
Mesmo que fosse. Qual o poder da figura em bronze de um homem que já morrera? / Suicidou-se… tu sabias? Morfina, antecipando o desfecho da tuberculose.”

A literatura, sobretudo, a mais vocacionada para o público infantil, como as fábulas, procura apresentar uma perspetiva educativa sobre a doença. A fábula d’ “O médico, o enfermeiro e o doente” destaca a luta que um paciente tem com doença.

IELT – Fábula na Literatura Portuguesa: Catálogo e História Crítica (2008). [Referência:  CREIO, Romão Francisco António – O médico, o enfermo e a enfermidade. In Fabulas Litterarias de Thomas Yriarte. Porto: Off. de Viuva Mallen, Filhos e Comp., 1796, p. 127-129].

“Batalha o enfermo
Com a enfermidade,
Ele por não morrer,
E ela por matar.
Seu vigor a porão
A quem pode mais,
Sem haver certeza
De quem vencerá.
Hum curto de vista
Em extremo tal,
Que apenas os vultos
Pode devisar;
Com hum paõ pertende
Os dois pôr em paz,
Arrochada vem,
Arrochada vai […].

Existem também peças teatrais focadas em doenças específicas. A título de exemplo, veja-se “A Influenza”, peça onde se descreve a aflição de uma família perante um surto de gripe. A publicação da peça coincidiu com um surto de gripe, conhecido como “gripe russa” (1890-1891).

TNDMII – FIGUEIREDO, Aníbal – “A influenza : monologo”. Porto:  Barros & Filha, 1890.

Cota: FG 12389

  • DIAS, Isabel Barros – O Imaginário da morte em contos tradicionais portugueses. Forma Breve [Em linha]. Nº 14 (2017): O conto: o cânone e as margens, p. 315-325. – Disponível online.
  • FRADE, Mafalda; BATISTA, Maria – Representações visuais da morte na edição de livros em Portugal. Diacrítica [Em linha]. Braga. Vol. 31, N.o 2 (2017). – Disponível online.
  • ALMEIDA, Fialho – A cidade do vício. 1.a ed. Porto: Ernesto Chardron, 1882. – Cota: RES 647 (BMSC)
  • ARIÈS, Philippe – L’homme devant la mort. Paris: Éditions du Seuil, 1977. – Cota: ANT 56 (BMSC)
  • ARIÈS, Philippe – O homem perante a morte. Mem-Martins: Europa-América, 1988. – Cota: ANT 56/C/1 (BMSC)
  • AURÉLIO, Marco – Pensamentos. Lisboa: Ática, 1947. – Cota: F 4279 (BMSC)
  • BOCCACCIO, Giovanni – Decameron. Barcelona: Nauta, 1983. – Cota: LL 13595 (BMSC)
  • CARVALHO, João Manuel A.S.de – Diário da peste de Coimbra (1599). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s.d. – Cota: CA 797 (BMSC)
  • CHAUCER, Geoffrey – The Canterbury Tales. Harmondsworth: Penguin Books, 1959. – Cota: LL 15510 (BMSC)
  • CLÁUDIO, Mário – Amadeo. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984. – Cota: CO.CLA.001 (BVMG)
  • GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel – El amor en los tempos del cólera. Barcelona: Debolsillo, 2016. – Cota: LL 15740 (BMSC)
  • MCNEIL, William H. – Plagues and Peoples. Middlesex: Penguin Books, 1979. – COTA: HST 7980 (BMSC)
  • NOHL, Johannes – The Black Death : a chronicle of the plague compiled from contemporary sources. London: Unwin Books, 1971. – Cota: HST 517 (BMSC)
  • PACHECO, Fernando Assis – Traballos e paixóns de Benito Prada : galego da provincia de Ourense que veu a Portugal gañar a vida. Vigo: Ir Indo, 1994. – Cota: LL nar PAC/tra (CEG – Centro de Estudos Galegos, NOVA FCSH)
  • QUEIRÓS, Eça – O primo Bazílio. Lisboa: Livros do Brasil, s.d. – Cotas: LL 14127/A-B; ALC 188 (BMSC)
  • QUEIRÓS, Eça – O primo Bazílio: episódio doméstico. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990. – Cota: LL 14127/C (BMSC)
  • RUFFIÉ, J.; SOURNIA, J.-C. – Les épidémies dans l’histoire de l’homme: essai d’anthropologie médicale. Paris: Flammarion, 1984. – Cota: CA 965 (BMSC)
  • SALEMA, Álvaro – Os Reinegros: Lisboa, quotidiano e republicanismo. In GODINHO, Paula e REDOL, António Mota (coord.), Alves Redol: o olhar das ciências sociais, coord. Paula Godinho e António Mota Redol. Lisboa: Edições Colibri, 2014, p. 311–320. – Cota: LL 14819 (BMSC)
  • SARAMAGO, José – Ensaio sobre a cegueira. Porto: Porto Editora, 2014. – Cota: LL 14720 (BMSC)
  • SÉNECA, Lúcio Aneu – Cartas a Lucílio. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991. – Cota: F 4335 (BMSC)
  • SHAKESPEARE, William – Romeo and Juliet. London: Cambridge University Press, 1971. – Cota: LL 13875 (BMSC)
  • SHREWSBURY, J. F. D. – A history of bubonic plague in the British Isles. Cambridge: Cambridge University Press, 1971. – Cota: HST 2356 (BMSC)
  • SÓFOCLES – Rei Édipo. Coimbra: INIC, 1979. – Cota: LL 14060 (BMSC)

 

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