Artes visuais

Da lepra à cólera, passando pela tuberculose, pneumónica e o VIH-SIDA, a doença esteve sempre presente nas mais diversas manifestações artísticas. Os artistas procuraram expressar a vivência da doença - particular e coletiva - e das emoções por ela provocadas, desde a dor ao medo, passando pela fé. Tiveram também o cuidado de retratar os seus protagonistas, fossem eles doentes, médicos, enfermeiros ou voluntários. Socorreram-se de vários suportes materiais para expressar as suas ideias, desde a tela à pedra, passando pelo azulejo. O trabalho dos artistas contribuiu para a construção da memória da doença no imaginário coletivo, sendo eles próprios em muitos casos vítimas de pandemias.

A doença foi representada na pintura em várias ocasiões, algumas delas com um peso histórico significativo. Neste quadro representa-se o levantamento do cerco castelhano a Lisboa, em 1383, devido a um surto de peste.

CML/AML – “A peste obrigando os Castelhanos a levantar o cerco a Lisboa, pintura” (1940), fotografia de Mário Tavares Chicó.

Cota: PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/MCH/000047

O olhar dos artistas recaía, também, sobre aqueles que padeciam da doença. A sua representação, como revela o desenho de Maria Doente, feito por António Carneiro em 1958, vai de encontro à debilidade do corpo humano e à tentativa de superação da doença.

FCG – “[Maria doente]” (1958), autoria de António Carneiro, fotografia de Teófilo Rego.

Cota: CFT056.16; imagem 1 de 3

A par dos pacientes, os artistas preservaram a memória pública dos médicos e dos cientistas que se destacaram no combate às epidemias. Estas iniciativas foram dinamizadas pelos poderes políticos e por particulares. A notoriedade do médico Bernardino António Gomes (1768-1823) valeu-lhe um monumento no Jardim Botânico de Lisboa, em 1926.

CML/AML – ”Monumento ao doutor Bernardino António Gomes, pai” (192-), fotografia de Fernando Matias.

Cota: PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/FJM/000182

Por outro lado, encontramos representações coletivas que acentuam não só o trabalho individual, como o de grupos intelectuais. Nesta pintura evoca-se uma das várias reuniões de intelectuais que tinham lugar no consultório do médico Francisco Pulido Valente (1884-1963).

CML/AML – “A Tertúlia do consultório do professor Pulido Valente” [s.d.], fotografia de uma pintura de Abel Manta.

Cota: PT/AMLSB/NEG/02/P00953

Outras representações aludem ao professor cientista, como Louis Pasteur (1822-1895), em contexto de aula, partilhando experiências, conhecimento e descobertas. Aludia a uma nova forma de ensino, valorizando o ideário positivista e o experimentalismo.

CML/AML – “Pasteur rodeado dos seus discípulos, pintura mural de Veloso Salgado na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa” (1906), fotografia de José Artur Leitão Bárcia.

Cota: PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/BAR/000590

Os artistas procuraram, também, representar as crenças e as devoções ligadas à cura e à proteção contra a doença. São Roque, associado ao combate à peste, é representado neste painel de azulejos a ministrar o sinal da Santa Cruz. Este ato remete para um episódio da sua vida, em Itália, no qual terá curado milagrosamente vários doentes.

FCG/BA – “Igreja de São Roque, Lisboa [Cura do enfermo, painel de azulejos, século XVI]” (1970-1960), fotografia de João dos Santos Simões.

Cota: CFT009.1143; imagem 3 de 4

Ligado à proteção contra a peste encontra-se ainda o caso de São Sebastião. No século VII, em Roma, o Papa ordenou a trasladação dos restos mortais do mártir para a cidade. Quando estes chegaram a epidemia cessou, o que fortaleceu a devoção ao santo. Contudo, esta só ganharia ímpeto no século XVI.

DGPC/SIPA – “Igreja Paroquial de São Sebastião da Pedreira / Igreja de São Sebastião [São Sebastião, tecto, pintura do final do século XIX]” (1992).

Cota do registo: IPA.00003065

Cota de fotografia: SIPA.FOTO.00005945

O culto mariano assumiu um lugar importante nas práticas religiosas e espirituais das populações. Em Lisboa, desde o século XVI, Nossa Senhora da Saúde é alvo de devoção por parte de doentes e dos seus familiares. Procuram a resolução da doença, mas também a compreensão do seu significado.

CML/AML – “[Igreja de São Sebastião da Pedreira, imagem de Nossa Senhora da Saúde]” (1941), fotografia de Mário Oliveira.

Cota: PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/MAO/000490

Em várias instituições assistenciais encontram-se representações do seu patrono, da sua vida e do seu papel no combate à doença. No Hospital de São José, por exemplo, São João de Deus, protetor dos hospitais, dos doentes e enfermeiros, aparece representando o apoio e a caridade ao doente.

DGPC/SIPA – “Colégio de Santo Antão-o-Novo / Hospital de São José [São João de Deus, painel de azulejos, século XVIII]” (1992).

Cota do registo: IPA.00004048

Cota da fotografia: SIPA.FOTO.00687064

As instituições assistenciais financiaram a criação de obras artísticas para evidenciar o seu papel no combate à doença. As Misericórdias ornamentaram os seus edifícios com painéis de azulejos, onde se evidenciava, por exemplo, o seu apoio a enfermos, incluindo presos.

FCG/BA – “Igreja da Misericórdia de Arraiolos [Visitar os enfermos e os encarcerados, painel de azulejos, século XVIII”, fotografia de João Miguel dos Santos Simões (1960-1970).

Cota: CFT009.398-408n; imagem: 2 de 6

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