Pragas nos Periódicos

A filoxera vastatrix no Baixo Alentejo

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Título

A filoxera vastatrix no Baixo Alentejo

Criador

S/autor

Fonte

O Manuelinho de Évora, Ano IX, nº 425, p. 1.

Data

23-06-1889

Colaborador

Leonardo Aboim Pires

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Por muitos anos se conservou ao norte do Tejo a terrível praga da filoxera. Mas não havia espirito prático e observador que não visse claramente a fatalidade da sua propagação, impossível de conter no movimento lento, e mais próprio do animal, que é o maior flagelo que tem acometido a vinha europeia; pois que até hoje, ainda não se descobriu um agente eficaz, no campo prático da indústria vitícola, para o exterminar, em todas as hipóteses variadas da cultura da vinha.

Estava nesta expectativa, quando, de repente, aparece a filoxera em Almeirim e mais tarde em Azeitão, tendo transposto uma barreira natural, o Tejo, que a muito se afigura uma linha de defesa contra a invasão crescente e sempre triunfante do devastador inseto.

Não era certamente o rio Tejo um obstáculo invencível para a marcha persistente da filoxera; contudo, parecia que devia demorá-la, por se opor à propagação contínua, como acontece no terreno seguido, e muito especialmente no cultivado com vinhedos.

É um facto conhecido o transporte, a muitas léguas de distância, dos enxames d’insetos alados, favorecido pela ação mecânica do vento, o que explica o aparecimento inesperado de uma nódoa filoxérica no meio de uma região vitícola, considerada indemne até então, e muito afastada dos centros de grande invasão.

Não bastaram as condições excecionais do movimento invisível, e por isso impossível de contrariar com medidas diretas de uma profilaxia certa, ou pelo menos modificadora da maior catástrofe por que tem passado, e está passando, a nossa grande riqueza enológica, pela falta inevitável de matéria-prima; vieram ainda auxiliar poderosamente a marcha da cruel invasão, a facilidade dos transportes e muitas vezes, os excessos de zelo oficial, filhos da má direção dos serviços e da precipitação provocada pelo pânico.

Todo o mundo compreende que o fácil transporte de plantas enraizadas, a despeito de todos os meios de fiscalização oficial, é um perigo ameaçador para a vida das vinhas.

Ninguém ignora que o serviço de pesquisas filoxéricas, feitas nas inspeções gerais dos vinhedos, por pessoal habilitado nos centros vinhateiros filoxerados, ou nas escolas oficiais do governo, representam outro perigo de propagação, talvez menos grave, porque é manifesto que o terrível inseto pode ser levado no fato ou nas ferramentas dos trabalhadores.

Do que fica exposto conclui-se que a marcha da maldita praga não tem barreiras invencíveis, e pode executar-se por diversas formas, todas invisíveis, e, até mais, quando se pretende empregar medidas profiláticas contra a devastadora invasão!

Já todo o país, que se interessa pela sorte da nossa viticultura, deve saber que a filoxera está nos grandes e opulentos vinhedos de Ferreira do Alentejo, no distrito de Beja; isto é, a uma enorme distância dos focos filoxéricos conhecidos.
Diz-se mais que aquele mortífero inseto deve estar naquela localidade, há 4 anos, pelos estragos produzidos na vinha onde se denunciou este ano a sua existência, e acrescenta-se que foi a primeira vinha pesquisada pelo prático, que foi a Santarém aprender a reconhecer a filoxera.

Conhecido o modo de propagação pelo enxames de insetos alados, e sabendo quanto eles são insidiosos na sua manifestação externa, porque, vivendo de preferência nas raízes das cepas europeias (e raras vezes em galhas nas folhas, como é vulgar nas cepas americanas), não dão sinal da sua existência num vinhedo, senão quando ele está próximo da sua completa destruição, é possível que não fosse transportada a filoxera para Ferreira por circunstância acidental.

Mas que infeliz coincidência: «a primeira vinha pesquisada, é a primeira vinha filoxerada!!!» em Ferreira do Alentejo.

Não queremos por modo algum censurar, e muito menos reprovar o serviço de inspeções gerais aos vinhedos indemnes, ou considerados como tais, com o fim muito louvável e altamente patriótico de salvar, até onde é possível, duma catástrofe qualquer centro vinhateiro.

Mas, pelo amor de Deus, depois de termos carpido as nossas lástimas por mil formas, em congressos, representações e outros atos platónicos, implorando a proteção dos altos poderes do estado para a lavoura portuguesa, temos direito a exigir que não nos matem com a cura!

Do patriotismo, saber e bom senso prático dos empregados técnicos, temos de esperar toda a cordura, circunspeção e elevado juízo prudencial nas inspeções gerais, que, consta, vão ser feitas aos vinhedos da nossa região.

Não pensamos em cordão sanitário, e muito menos na certeza de que nos hão de livrar da filoxera; o que desejamos é maior escrúpulo na escolha do pessoal e material de pesquisas, para não termos a lamentar alguma desgraça, filha do desleixo, e de apurar responsabilidades graves para quem deseja acertar e pode não ter culpa das causas primárias da questão.

É bom que tudo corra a contento de todos.

Ficheiros

Citação

S/autor, “A filoxera vastatrix no Baixo Alentejo”. In O Manuelinho de Évora, Ano IX, nº 425, p. 1., 23-06-1889. Disponibilizado por: Pragas nos Periódicos, acedido 3 de Maio de 2024, http://www.fcsh.unl.pt/pragasnosperiodicos/items/show/1412.

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